4 Poemas para Mariana

Uma videoperformance concebida a partir de poemas sobre a relação do performer com a Avenida Mariana Amália. Partindo de suas imagens poéticas, surge uma personagem errática, que se transforma a medida que se relaciona com este espaço.

4 Poemas para Mariana

Por Kleber Oliveira

Minha relação com a Avenida Mariana Amália vem desde a infância, ao assistir e participar de desfiles e cortejos de diversas manifestações culturais. De agremiações carnavalescas a procissões religiosas, é um espaço que, além do caráter financeiro e comercial, evoca lembranças carregadas de cores, sons e afetos. Em minha adolescência, tornou-se uma passagem obrigatória uma vez que estudei o meu Ensino Fundamental no Colégio Municipal 3 de Agosto. Hoje, somada a todas essas representações, a Avenida é um canto e um ponto em que enxergo o mundo. Do terraço de um primeiro andar, vejo o quanto ela se transformou e vem se transformando, do mesmo modo que as pessoas que nela transitam e trafegam. Diante de tantas mudanças, o que dela parece brotar é a impressão de sempre estar em construção e, ao mesmo tempo, abandono.

Meu primeiro contato com a vida e a obra de Osman Lins surgiu no Ensino Médio, nas aulas ministradas pela professora Maria Doracy do Nascimento, quando estudei no Colégio Nossa Senhora da Graça, aqui em Vitória. O texto que ela escolhera foi "A ilha no espaço", narrativa de terror e de suspense cujo enredo se passa no Centro da Cidade do Recife, e discorre acerca dos conflitos, internos e externos, vividos por Cláudio Arantes, em meio à solidão e ao abandono que o afligem. Ainda que a leitura desse texto fosse uma exigência para responder uma atividade avaliativa, ele se tornou um "companheiro" a quem frequentemente eu recorria e, também, uma "porta de entrada" para o universo da escrita de Osman.

No Ensino Superior, quando me graduei no Curso de Licenciatura em Letras da UNIVISA, pude conhecer mais obras dele e o quanto ele transformou a escrita na própria vida; a palavra, em uma arma de combate contra um mundo que tenta, a todo momento, apagar, estagnar e conduzir o ser humano ao pleno esquecimento. Esse tema se faz presente no romance "A rainha dos cárceres da Grécia", publicado em 1976, em que a realidade e a ficção se encontram através da memória e dos estudos do narrador-personagem, organizados em formato de um diário com elementos de um ensaio. É um livro que também retrata o desfalecimento da memória coletiva que, diante de um povo sem referência nem história, vai se tornando um lugar cada vez mais confuso, abandonado, distante e fragmentado.

Em 2023, recebi o convite para participar do Deslocamentos. Depois de debates, estudos e observações, o próximo passo foi a escolha dos poemas a fim de compor a dramaturgia da vídeoperformance. À medida que os versos eram lidos, percebemos que eles podiam abranger os temas propostos pelas ações do Projeto. Através dos encontros, os textos foram incorporando em seu discurso reflexões acerca do indivíduo e dos espaços que ocupa. Além disso, trazendo também a questão da memória e a influência que o escritor exerce sobre meu processo literário e minha relação com o Mundo, surge "A rainha dos cárceres da Grécia", de Osman Lins. Este livro é o ponto de partida para a construção da personagem, que vai absorvendo todo o estado de abandono ao longo de seu trajeto na Avenida Mariana Amália.

Afastando-se cada vez mais de si e de sua condição humana, seu corpo vai sendo levado ao esquecimento, em meio a um espaço, do mesmo modo, fragmentado e perdido. Sem saber ao certo que caminhos seguir, o indivíduo vai conduzindo sua memória ao abismo, em que se depara com feras e bestas, as quais ele precisa dominar ou, consequentemente, será devorado por elas. Assim como Édipo diante da Esfinge, é preciso refazer o caminho para reencontrar-se na própria travessia.

Após a escolha dos poemas, que compõem a série 'Poemas Noiados ou 1 Tiro na Lata', observamos que a Avenida Mariana Amália seria o local ideal para a ação lírico-performática proposta. Trata-se de um espaço familiar a mim e a outros integrantes do Projeto.

Em 2018, no dia 9 de junho, a fim de comemorar meu Aniversário, realizamos uma performance cuja concepção partiu do princípio de que a Cidade é o lugar em que esticamos o nosso couro. Em outras palavras, em que estendemos a nossa existência. Durante os encontros com Débora Bittencourt, ao ouvir a canção 'O ciúme', de Caetano Veloso, escolhemos a palavra 'Curtume" para ser o título da ação. E a fim de nos ajudar a realizá-la, chamamos os artistas Sâmmia Gonçalves, Arthur Carvalho, Luann Ribeiro e Jack Nansei.

Agora, estendendo novamente nossa existência, voltamos a ocupar as vias e veias abertas de Mariana, que fazem o coração da Cidade pulsar, em meio a "tantas almas esticadas no curtume...". Com o nome de '4 Poemas Para Mariana', levamos o Corpo e a Palavra num cruzamento a céu aberto, iluminando as ruas e os labirintos do vazio e do esquecimento.

Kleber Oliveira

Geminiano do dia 09/06/1985, nasci e vivo em Vitória de Santo Antão, cidade da zona da mata de Pernambuco. Formado em Letras pela UNIVISA, em 2007, atualmente sou professor da educação básica da rede pública de ensino daqui. Além da sala de aula, desenvolvo performances ceno-poéticas, desde a Graduação, mas só a partir de 2011 que passei a escrever Poemas e incorporá-los ao meu trabalho, que traz o foco para a Palavra, mas que dialoga com elementos de outras linguagens artísticas, a fim de ampliar os sentidos e as possibilidades de interpretação / locução do discurso lírico-poético.

Ficha Técnica

Textos e Performance: Kleber Oliveira

Direção, Montagem e Edição de Som: Débora Bittencourt

Direção de Fotografia: Brenda Silva

Produção e Maquiagem: Sammia Gonçalves

Assistência: Kell Soares

Figurino: Gustavo Free

Fotografia Still: Karlla Dayane

Segurança: Hiago Richerson