"Se tivesse que dar outro nome ao que faço,
se não chamasse de performance,
chamaria de prática"

William Pope.L

Orientação

com Raphael Bernardo

Nossos encontros de orientação foram divididos em duas etapas, contando com leituras, discussão de textos, compartilhamento de referências, atividades práticas e apresentação dos exercícios realizados. Foi o momento de entrar em contato com as nossas memórias, intenções de pesquisa e processo criativo.

1º Bloco
Criação de mapas pessoais: delinear espaços, pessoas e lembranças a partir da nossa relação com a cidade

Memória e Performance

Mapa de Kleber

Mapa de Débora

Cartas para a cidade: declarações, desabafos e devaneios para um espaço-pessoa.

Vitória de Santo, escrevo-te este texto a fim de encontrar-te
Seja no Beco do Mijo, na igreja ou no Centro da cidade.
Espero, num futuro, tão breve
vê-la e tê-la comigo meu lado
lá na Ponte do Amparo
Andando por nossas lembranças
do tamanho de terços,
Cajueiro e Rosário
Vejo e chego às linhas
invisíveis de teus limites
Vem a primavera na rua do Dique
chupando Cajá e Mangueira
Vem Glória trazendo Pombos e vestindo
Seu traje de dias de feira
Cheirando a capim limão
E flor de laranjeira
Faz logo uma farra, uma festa
Nesta terra em que habita teu ser
E em que se erguem o povo e a praça
De tua Bandeira
Me despeço de ti, na
Antiga estação de trem
A um lugar em que viveremos
Sem sabermos que é pra sempre

Kleber

Hoje eu sai refletindo sobre nosso último encontro. O dia está muito quente e isso me fez pensar que foi nesse abafado mesmo que vivi tantas durezas pra te ouvir dizer depois que é assim que se aprende a ser gente. E muitas vezes assim soou, como se você fosse uma mãe de antigamente, muito rude e confiante de que a melhor forma de amor é aquela que ensina desde cedo o que é a dor. Mas foi você também quem me ensinou a meditar subindo ladeiras, a observar pombos e urubus, a ter sonhos lúcidos, reaproveitar coisas que não sevem pra nada e outros aprendizados muito úteis.

Dessa última vez que eu te vi, você não me disse quase nada, ou fui eu que não consegui te escutar. Senti um certo baque nesse vazio escaldante e mal consegui te ver ofuscada nessa luz toda solar.

Outro dia li um poema e me lembrei de voce. Ele dizia assim:

"Não deve adiantar grande coisa permanecer à espreita
No topo fantasma da torre do vigia.
Nem a simulação de se afundar no sono. Nem dormir deveras
Pois a questão chave é: Sob que máscara retornará o recalcado? (...)"
Caminho no sol com estas palavras ressoando, quase como um transe.
Máscara. Retorno. Recalque. Penso no teu poder de transfiguração.
Já te vi aparecer como um menino, uma velha beata, um mendigo, uma cigana, meu avô.
Já te segui por tantas ruas e fugi por outras também.

(Será que eu também mudei aos teus tantos olhos ?) Me sinto muito esgotada e enebriada de palavras sempre que me aproximo muito de você e creio que hoje a questão chave é:

Sob que máscara retornaremos a nos encontrar?

Débora

Cara Vitória de Santo Antão,

Na madrugada, te escrevo algumas palavras, tentando não ser rasa nem mentirosa. Quero não ser injusta com tuas ramagens e teus veios, trazendo a esta escrita menos as experiências hostis de teus inquilinos, e mais as cores persistentes de tuas tardes. Quero poder desvelar o odor bom em teus ares, apesar das destruições que te impõem os “homens de bem” que te comandam. Apesar das árvores que te extraem, como dentes levados pelo açúcar da cana — dos canaviais desses tais homens de bens que te possuem — tão estrangeiros a ti, tão dispersos, produzindo o fino piçarro que pinta as calçadas, como se fossem dragões míticos a sobrevoar as paragens.

Restam-te ainda, entre as ramagens, rios e palmeiras. E entre o deserto e a poeira de tuas ruas — cada dia mais dispersas — restam menos, tuas cores originárias, teus sabores, teus cheiros.

Cheguei aqui com ventre de criança, trazida por um poeta, um dos teus homens. Meus filhos têm, em parte, essa herança: um bisavô tipógrafo, uma tia-bisavó atriz... Esmeraldino, Secundina — nomes que escuto, espíritos que devo zelar.

Tua história, galgada na morte-vida, resiste no tempo. Tuas poetas, tuas raízes que tentam diluir.

Tens nome de mulher, Vitória, mas a vitória é delegada a eles — aos homens. Tens mulheres nos nomes de tuas ruas: Mariana Amália, Parteira Emília... E tens ainda um Santo no nome — Santo Antão — um eremita, do Egito, como eu... Aqui precisei construir meus castelos escondidos, meu sarcófago; precisei encontrar meus manuais de sobrevivência pós-morte.

Meus camelos tiveram que dobrar os joelhos para construir meus almanaques entre os santos e demônios da província. Quando algo de bom: a cantiga dos pássaros no fim das tardes, arrancadas com as árvores.

“Secundina” foi o primeiro nome que tive aqui. Nome secreto, nada discreto. E saí na dúvida dos barcos — se retornaria. Quando dormi aqui pela primeira vez, sonhei com um balão branco que, soltando o ar, ia parar na lua, no céu do meu sertão. É essa lua que ainda busco: lua que me une ao caos de outros recintos, minha casa feminina, o ninho em que fui criada.

Anaíra

2º Bloco
Programa Performativo*: após exemplos de vídeos e leituras de textos, o desafio era criar um programa simples e realizar registros.

Cidade e Deslocamentos

Colheita, programa de Débora

Biografia de alguém ou algum espaço do mapa pessoal: traçar sua história através de texto e/ou imagem
Cineteatro Iracema, por Débora:
Osman Lins, por Kleber:

Osman Lins nasceu em Vitória de Santo Antao, no dia 5 de Julho de 1924 e faleceu em São Paulo, no dia 8 de julho de 1978.

Cada obra sua é uma súmula da própria vida, em que se une a emoção (a liberdade) e o rigor (técnica); o Tempo da Memória e o Tempo da Realidade. Seus personagens trazem dilemas e reflexões sobre a luta contra um mundo que tenta, a todo momento, corrompê-los.

A palavra, então, se transforma em uma forma de compreensão e arma de combate ante à realidade que cerca o ser humano.

A opressão do mundo não se configura apenas em seu aspecto político; é também a morte de ser esquecido uma manifestação opressora. Neste mundo que nos encanta e nos deprime, surge a Arte e o Artista para nos conduzir ao sublime.

Secundina de Deus e Melo, por Anaíra:

Secundina de Deus e Melo foi uma atriz, educadora e carnavalesca pernambucana. Nascida em 6 de junho de 1915, na cidade de Vitória de Santo Antão, era filha de João de Deus e Melo Filho e de Maria Blandina Gomes de Melo, e irmã de Gasparina, Cezarino, Albino, Esmeraldino e Vamberto. Cresceu em um ambiente fortemente ligado à cultura e à imprensa, cercada pelos maquinários da tipografia de seu pai, o que contribuiu para sua formação intelectual e artística desde cedo.

Trabalhou em diversos espetáculos teatrais. Teve forte ligação com a família Holanda, tendo atuado no espetáculo “O Sangue que ora”, com texto e direção do Professor José Bonifácio de Holanda Cavalcante (que foi presidente da câmara dos vereadores e homenageado em Gloria do Goitá dando nome a uma escola do município), que reúne outras grandes figuras da literatura vitoriense, como Martha, Nestor, e Manoel de Holanda. Ainda jovem, foi aluna de Isabel Galvão na escola municipal e, mais tarde, cursou o Normal e o Magistério no Colégio Nossa Senhora da Graça, da rede Damas, em Vitória.

Como educadora, lecionou no curso primário da cidade de Pombos e também foi professora de pintura e trabalhos manuais no Colégio Municipal Pedro Ribeiro, em sua cidade natal. Por questões políticas, foi transferida para outros municípios, o que acabou por lhe proporcionar uma rica trajetória de contribuição no campo educacional em Pernambuco. Lecionou em Araripina, Arcoverde e Custódia, e assumiu cargos de direção escolar nas cidades de Triunfo e Caruaru.

Seguir pessoas: Encontro na rua. Caminhar, observar, imaginar e criar personagens reais. Após a atividade, nos reunimos na lanchonete Peixe, uma das mais antigas da cidade, e compartilhamos nossas histórias.

Preparação Dramatúrgica

com Gabriela Santana

Dia 1

Reunião na casa Sammia. Primeiras conversas, onde cada um falou sobre seu desenvolvimento, processos e materiais gerados até então. Após cada apresentação, Gabriela, como forma de exercício, pediu para que cada um repetisse o que desejava reproduzir na performance. À medida que a fala de cada um fez sentido para o grupo, o grupo devia repetir o que foi dito pela pessoa que estava apresentando como forma de eco.

Ao final do encontro, cada pessoa presente, retirou uma carta de tarô, que serviria de guia e inspiração para os trabalhos posteriores.

Dia 2

Encontro na Casa Mosaico para primeiras práticas corporais. Soltar o corpo, relacionar-se com o espaço, caminhar e observar através de diferentes pontos de vista foram algumas das ações desenvolvidas na prática. À tarde, seguimos para a rua, a fim de conhecer os espaços relatados no dia anterior e criar as primeiras relações com eles junto com a câmera. Também captamos algumas sonoridades nestes espaços. Fomos ao Casarão Deus e Melo, Avenida Mariana Amália, Feira, e Praça João Pessoa. Algumas pontuações feitas por Gabriela nesse momento e anotadas por Sammia foram:

“A ideia é adaptar e não camuflar a ação.”

“A performance não é uma máscara de ação e não é uma máscara neutra.”

“Enquanto exercício, a ideia é sustentar o gesto. Dar o gesto e coletar.”

“As ações são delicadas. Elas podem se pulverizar ou gerar um desdobramento.”

“Convém criar mais contraste e segurar o gesto.”

Dia 3

Nosso último encontro foi de volta à Casa Mosaico, e foram realizadas atividades trazendo pontos da ida à rua do dia anterior. Atentar às sonoridades, guiar-se através delas. Sentir o gesto. Reler fragmentos das nossas cartas à cidade como recurso imagético. Discutir sobre nossos receios, desejos e desafios. Propor ações. Ser visto e assistir ao outro. “O que meu corpo precisa para performar?”